"cortem-me à cabeça parte do coração.levem-me o pescoço, façam com ele uma fisga, lancem-lhe as entranhas.sigam pela noite dentro da cabeça funda, o sentimento. digam-lhe: adeus. depois: não vás. cortem-me a cabeça, lancem-na ao mar, que pense ele por mim, que me afogue o coração."
MARGARETE SILVA
escuta:
o que as flores naturais dizem ao corpo
sem cabeça no desespero
e saúda as que pelos cabelos mais belos
tocaram as suas mãos nuas
-a idade da cabeça sem corpo
sazonada
a desconstrução do pensamento
martela as estrelas,nossas
folhas nos dedos
que se deitam sem pálpebras acesas
com os poros dos meses
envoltas-te
ilusão tocando sangue das raízes,
como és bela!
decerto:
falamos a mesma língua dos homens cheios
os que queimam neve ,lembrei-me
da cidade que caminha nos teus sonhos,
nossos também,
dos pulmões a cabeça faz parte.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
domingo, 23 de maio de 2010
querer
a boca nada mais imagina a carne
-que interroga o caminho do cão branco
ingénuo
as mãos são apenas escamas e voam metamorfose
quando a morte é breve na artéria da palavra doer
é tão grave esta voz
como a dor que a noite desfaz a agudez
da loucura
soltam corações e pedras
no entanto
a descida torna-se leite
mamilo sofá ,cama
talvez
nada seja ;penso
nos campos nocturnos sobre as massas,
ardem,
viajam
na idade de cabeça para baixo.
a boca nada mais imagina a carne
-que interroga o caminho do cão branco
ingénuo
as mãos são apenas escamas e voam metamorfose
quando a morte é breve na artéria da palavra doer
é tão grave esta voz
como a dor que a noite desfaz a agudez
da loucura
soltam corações e pedras
no entanto
a descida torna-se leite
mamilo sofá ,cama
talvez
nada seja ;penso
nos campos nocturnos sobre as massas,
ardem,
viajam
na idade de cabeça para baixo.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
quando saímos da rua deitados.
Lavo a mão que se esgota
E saio na barca para a aurora junto da cabeça
Cantando a tarefa dos homens desesperados
Afogando o passo em cada volta de agua
Órfão do verde em sono
E baloiçando deus no leito
Nu, leito da rua selado
Angustia ou desejo tanto faz
Desde que arranhemos a pele no relento
E gritamos a sinuosidade da usura no buraco
Contamos os dias duas vezes
A noite clara e o dia sol
Duas vezes inocente esta hora
Este espaço de hora que se move na sua própria vontade
A passagem bate nos olhos do poeta no coração
E nos pulmões das costas curvadas
Somos a semente
Congestionamos a idade neste momento
E espancamos a lentidão do tempo
Batemos na fertilidade do ar
Nas folhas do morrer hoje
Neste anel de fogo exorbitamos o pão de coisa alguma
Temos o sexo branco no meandro do sangue
Como escavássemos o firme dos nossos remos
Saberemos mais tarde
Que a queimadura na parte exterior da perna esquerda
Vive fragmentos de granito constantes
em bocados sentimentais
E da existência
Partimos as danças ao meio e da garganta dos sapatos
Libertamos as plantas dos pés
A mulher deu-me um livro infantil para a moer
A mão que tocou o seu marfim quente
E a língua que beijou a sua uva canta
Canta as palavras do mar criança
Do velho que coleccionava objectos redondos
O corpo é um peso circular e a ponte é fresca
E prende-se na menina de cabelo amarelo
Amamos a eternidade do vento sul
E a pimenta dos confins da África moderna
Nomeamos as árvores em nosso redor
Bebemos calos do pensamento neste degrau
Transfigura-se a espuma das flores
É o que nos resta na memória saltitar
E por agora somos inacabados
Continuação do encanto jovial
Estamos bem mais gordos quando saímos da rua deitados.
domingo, 2 de maio de 2010
Herberto Helder
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos
filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe á cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do
amor.
que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos
filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe á cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do
amor.
o tambor da máquina de lavar roupa
Chega-te bem mais perto
para que te apercebas desta loucura
De atirar o coração à dobra da rua
E vê-lo partir em pedaços menores
Porque é assim que levantamos o cio dos dedos
E a normalidade melancólica dos dias
Chega-te bem mais perto
Para que a porta da rua abra as suas veias
e queime este filho da puta
numa viagem desculpável de álcool nos olhos
com o medo de viver mais um dia
porque importam as fomes que outrora tiveram os sorrisos das ilhas e as conchas dos bivalves dadas à terra
porque importa dar aos cabelos o comprimento cinza no sobressalto que encurta o tempo
hoje dou uma colher de açúcar ao corpo poema
hoje dou um poema no corpo de uma nódoa triste de café
e levo um cigarro à boca
hoje tenho-te na varanda com o vento maresia das cegonhas
e nos braços tenho-te
perto bem mais perto para te deitar fora
enquanto observo o tambor da máquina de lavar roupa
a girar
para que te apercebas desta loucura
De atirar o coração à dobra da rua
E vê-lo partir em pedaços menores
Porque é assim que levantamos o cio dos dedos
E a normalidade melancólica dos dias
Chega-te bem mais perto
Para que a porta da rua abra as suas veias
e queime este filho da puta
numa viagem desculpável de álcool nos olhos
com o medo de viver mais um dia
porque importam as fomes que outrora tiveram os sorrisos das ilhas e as conchas dos bivalves dadas à terra
porque importa dar aos cabelos o comprimento cinza no sobressalto que encurta o tempo
hoje dou uma colher de açúcar ao corpo poema
hoje dou um poema no corpo de uma nódoa triste de café
e levo um cigarro à boca
hoje tenho-te na varanda com o vento maresia das cegonhas
e nos braços tenho-te
perto bem mais perto para te deitar fora
enquanto observo o tambor da máquina de lavar roupa
a girar
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