sábado, 6 de fevereiro de 2010

um cigarro no sangue

Dizes que esta viagem não é tão morte
Como cega
Nem de pássaros que celebram em suas asas
Corações rompendo candeias
-Porque não a celebram em asas nuas.
Outros corações
Estarão sempre nas ruas
-álcool.
E tu
Não sentes medo da morte
Tens medo sim
Do frio que martela os ossos
O frio que rouba ao teu coração o corpo
Que ama as ruas
Mas as ruas estão geladas
(como bem o sabes)
No seio das lobas
Ofertando suas crias
Aos ventos do azul celestial dos teus dedos silencio.

-para quando um pedaço de pão
Matilde
Para quando mais vinho
E o teu sexo encontra-se erecto no que já morreu.
Hoje
Regressaste como quem agita os astros
No vómito de fome pelas estrelas
Sossegando-a; fome
Numa colher de sopa limão.
Matilde
Copo de vinho que não beberei
Ou só os pavões despem seus medos
Nos casacos vermelhos
Lábios de dor
Uma língua trazes ao pescoço
Uma língua húmida percorre o pescoço
Trás o hálito e nuvem
Trás um homem e trás cinza
A cinza do homem
No cálice debaixo dos teus lábios que sucumbiram
Matilde
Somos lençol e penumbra no roxo da ferida
Quantos peixes alongaram no peito dos olhos
-disseste
E quantos coágulos no asfalto da cama
Desapareceram ou morreram
Porque ainda excitas os gestos
Matilde
-Noite veloz na sela do cavalo telefónico
Sei que acreditas na lava
Na lava renascentista do corpo
Mas
O teu corpo engole a mão
Engole a astúcia
Quando rouba a masturbação
De um cigarro no sangue
Matilde
Coisas de homem
Em horas cruzadas voando
No cravo dos dedos
Que outro nome agora
Que outro nome para o novo ventre
Que outro nome
Para a anca dos nervos
-orvalho
E mulheres e deuses
Fantasmas que viveram ossos dos seus ídolos
Lençóis de mofo
No hálito dos carrascos
Corta
Corta o cordão umbilical das veias
Matilde
E prova o veneno das uvas
E dá-te aos seus passos ébrios também
Porque não há outro lugar na formosa
Onde podemos ouvir as sereias negras cantar
Que outro lugar que não este
Podemos adormecer e chorar
Um ovo Matilde
Enquanto
Dobramos os dedos na carne da ferida aberta
-trazes
A faca que ceifou o sexo dos andróginos
E retiras do palpável uma cintura
Para as tuas vestes
Incenso és agora
Lunário mascando o medo no acaso da noite
-riso animal debruçado na soleira do Capitão-mor
Já cá andam
As sanguessugas lavrando as pálpebras
Matilde
Néon cipreste bebendo de pé os rins
Dançando cadafalsos e querubins de seda
Nas tuas mãos.
Hão-de esquecer-te Matilde
E no largo da Sé
Tu serás apenas…Fruto silvestre.


Ao Tiago Brás
(um dedo na carne)

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